terça-feira, 27 de julho de 2010

E O CRIME DE HOMICÍDIO SEM CADÁVER?


Era um dia desses, não um dia qualquer, mas daqueles quando se tem de dar uma corrida até a Capital Mineira para dar uma olhada em algumas publicações de vistas em processos no Tribunal de Justiça, aquele ali bem no coração daquela linda Capital. Vistos, etc..., o relógio beirava a hora do “angelus”, já final de expediente e temendo o alvoroço dos carros naquela, deixei os processos e fui me esconder lá no BH Shopping até que o sossego da BR-381 me conduzisse de volta à rotina do interior, da minha querida Cidade das Areias Brancas.
Não pude deixar de reparar no belo horizonte ao final da Raja, dourado e ofuscante, ao som da Rádio Itatiaia que transmitia a notícia do momento: o goleiro do Flamengo estava na Delegacia para prestar declarações a respeito da imputação que lhe pesa o Inquérito que apura a morte de uma modelo. Não demorei a chegar. Consegui escapar de qualquer congestionamento e afinal, estava ali estacionando no segundo piso daquele centro de compras.
Para passar o tempo, como de sempre, um café expresso na Leitura e não pude deixar de escutar um casal na mesa ao lado. Jovens, ainda, conversavam a respeito daquele goleiro do Flamengo e ela, apresentando um certo espanto, questionava ao seu acompanhante: - mas ele pode ser condenado sem achar o corpo? O acompanhante respondeu que não sabia a respeito daquela indagação. Não demorou muito e vaguei no tempo. Estava lá, nos bancos da FADOM, ouvindo o Mestre Dr. Faiçal lecionando as técnicas do Processo Penal. O Código de Processo Penal não mudou muita coisa de lá para cá, mas ainda ouvia o timbre forte e marcante daquele Mestre que sempre nos lembrava do caso famoso acontecido no município de Araguari, no ano de 1937: o dos Irmãos Naves – Sebastião e Joaquim. Teriam eles sofrido tortura durante meses vindo a assinarem uma confissão formal de que teriam assassinado Benedito. Foram condenados a 25 anos e meio de prisão e, por ironia do destino ou coisa que o valha, após 20 anos, o suposto morto reaparece vivinho da silva. De volta para o futuro estava confrontando com a discussão do casal e o caso tomou conta de minha mente e ali respondia aquela indagação. Naquele caso, dos irmãos Naves, a apuração do crime se desenvolveu na era Getulista, ditatorial, demonstrando a força impulsiva de se apontar um culpado.
Ainda bem que hoje, diversamente daquela época, vivemos sob o Estado Democrático de Direito, garantido pela Constituição Federal de 1988, dando direito amplo à defesa e garantia de utilizar os meios que forem necessários para que o acusado possa arguir para se defender. Do outro lado, um órgão acusador, mais conhecido como Ministério Público (Promotor de Justiça) que se posta ao lado do órgão inquisidor, mais conhecido como Autoridade Policial que comanda o Inquérito Policial (Delegado de Polícia), para provar  que houve um crime de homicídio mesmo sem haver cadáver. É que, no nosso direito, não há como se haver resultado lógico como dois mais dois igual a quatro. O Código de Processo Penal permite que, em casos como este do goleiro do Flamengo, a acusação pode fundamentar em indícios que demonstrem a existência de um crime de homicídio – artigo 167 (Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta). Mais, o mesmo Código define o que se chama de indícios, necessários também para a análise do caso, como se vê do art. 239 (Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias). Logo, ele pode ser condenado mesmo sem haver um cadáver. Mesmo porque, neste tipo de processo, existe o que podemos chamar de um pré-julgamento, denominado de Pronúncia, onde caberá ao Juiz analisar (O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação – artigo 413).
Ah, um detalhe! É preciso que o Juiz se convença, logo, Defesa e Acusação irão discutir a prova da existência ou não do crime, no que chamamos de materialidade, ou seja, a demonstração de que houve um crime de homicídio, mesmo que seja por outros meios como a prova máxima que seria o cadáver. Levado a Julgamento pelo Tribunal de Júri, caberá então aos SETE JURADOS decidirem se é inocente ou culpado. Êpa! Meu café está esfriando. Um gole só e a praça de alimentação já estava lotada. Passava das sete da noite. O casal já não estava mais ali e lembrei-me e pegar a estrada. Certamente a BR-381 já estava mais tranquila e trocando os passos na escada, ainda me lembrava do assunto daquele casal e, quando me deparei novamente, dentro do carro, estava escutando a “voz do Brasil.”.

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