sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

ÉTICA: UMA QUESTÃO DE OPÇÃO

Segundo a norma culta da língua portuguesa, o vocábulo ”ética” não se enquadra no rol das palavras ambíguas, portanto, não possui mais de um sentido. Assim, torna-se inadmissível que sua definição seja interpretada de maneira diversa por cada indivíduo.

Aurélio Buarque de Holanda em seu Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª Edição, Editora Nova Fronteira, assim a define: “Estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto”. De acordo com a Enciclopédia Universal Gamma, vol. 4, trata-se da “Ciência dos costumes ou moral. Em sentido estrito, estuda as ações humanas e determina as leis a que tais ações devem se ajustar”.

Da análise dos conceitos apresentados depreende-se que a ética e a moral estão intimamente relacionadas. Um indivíduo de conduta amoral certamente será também antiético. A Ética, ainda que esteja condicionada a mutações no tempo, em função dos costumes, jamais deixou ou deixará de se expressar com base em regras de conduta dentro de um padrão politicamente correto, em cada momento histórico.

De acordo com professor Ruy de Azevedo Sodré no seu livro “A Ética Profissional e o Estatuto do Advogado”, 2ª Tiragem, LTR Editora, moral e ética têm a mesma raiz etimológica: costume (ciência de costumes), mas são diferentes. Moral é norma dirigida ao bem; é a ciência do bem. A sua infração resulta numa sanção, na maioria dos casos imposta pela nossa própria consciência, que se traduz no remorso. Em outros, a sanção decorre de uma repulsa social.

Ética vem do grego ethos, que significa costume e tem uma etimologia significativa idêntica ao radical latino “mos” – donde se origina a expressão moral. Ambas significam “costume ou hábito”. Tanto a moral como a ética se referem à “teoria dos costumes”. A Ética se divide em Deontologia – ciência dos deveres, e Diceologia – ciência dos direitos.

A Ética pressupõe uma reflexão sobre a moral. E isto porque, na verdade, vivemos e praticamos, dia a dia, continuamente, atos dentro da moral, indistinta e insensivelmente, porque estamos, por tradição e costume, presos a ela.

A Ética é ciência porque cria e consagra os princípios básicos que devem reger a conduta, os costumes, a moral dos homens. É arte porque se torna necessário observar tais princípios, praticá-los imperativamente, convertê-los na realidade da vida.

Ética profissional é o conjunto de princípios que regem a conduta funcional de determinada profissão. Consiste na persistente aspiração do profissional de amoldar sua conduta, sua vida, aos princípios básicos dos valores culturais de sua missão em todas as esferas de suas atividades.

Embora o termo ética seja empregado, comumente, como sinônimo de moral, a distinção se impõe. A primeira – moral propriamente dita – é a moral teórica, ao passo que a segunda seria a ética, ou moral prática. Ética é a parte da moral que trata da moralidade dos atos humanos. A Ética necessita da complementação do termo – profissional – porque ela se aplica a uma atividade particular da pessoa humana.

O primeiro código de ética profissional organizado na América do Sul foi o redigido por Francisco Morato em 1921, quando Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo.

Não há uma ética profissional alheia à ética não profissional – argumenta o jurista argentino Felix Augusto Castelhano – porque a mesma pessoa não pode ter regras diferentes para as diversas circunstâncias da sua vida. São necessariamente as mesmas para todas as manifestações da atividade humana e idênticos os conflitos. (Anais das “Primeras Jornadas Nacionales de la Ética de la Abogacia” – Rosário, Argentina, 1970, pág. 660)

Diante de tais conceitos e definições, nos vemos em conflito, pois em nosso cotidiano nos deparamos com situações que nos levam à seguinte reflexão: Será possível ou mesmo admissível que uma pessoa se comporte revelando uma conduta ética diferente para cada momento de sua vida, de acordo com suas conveniências? Certamente que isso é possível, porém, as mudanças sofridas pela ética em função das mutações consuetudinárias, não devem ocorrer de acordo com os interesses ou conveniências pessoais.

A título de exemplo, o “Código de Ética do Jornalista” preceitua que - por dever profissional e respeito ao direito coletivo de acesso à informação - o jornalista está obrigado a divulgar todos os fatos que sejam de interesse público.

O que pensar então de um repórter que presencia um ato criminoso de interesse nacional e se cala? De imediato, “sai de cena”, motivado por “forças ocultas” e retorna alguns anos mais tarde ocupando posição de destaque em determinada emissora de televisão. Os anos vão passando e certamente um dia, quando a prescrição do crime se consumar, virá a edição de um livro narrando a verdade real do fato histórico. Será ética tal conduta?

O que dizer também do cabo da reserva do Exército Brasileiro, José Alves Firmino, que entregou à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, fotos e documentos relativos ao covarde assassinato do jornalista Vladimir Herzog nos porões da ditadura. O livro Brasil Nunca Mais, Editora Vozes, coordenado pelo arcebispo emérito de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, é o melhor retrato das atrocidades cometidas durante o regime que se instalou no país sob o manto de uma dita “revolução”, que como é sabido nunca ocorreu de fato. O referido cabo serviu a um regime ditatorial, perverso, inescrupuloso e torturador e, ainda que não tenha agido diretamente, foi pelo menos omisso, por anos a fio, durante e após sua vigência. As denúncias só vieram à tona após duas décadas do fim da ditadura militar. Que motivos “sublimes” o teriam levado a revelar tanto tempo depois tudo aquilo que sabia? Teria ainda o Estado a possibilidade da persecução criminal neste caso ou o instituto da prescrição já garantiria a impunidade aos criminosos por ele denunciados?

Será que vivemos num “mar de lamas”? A falta de ética de nossos políticos chega a ser um afronta à capacidade de entendimento dos cidadãos. A lista de escândalos é quilométrica: anões do orçamento; painel eletrônico do Senado; impeachement do presidente Fernando Collor de Melo; caso PC Farias; caso Hidelbrando Paschoal; caso Banestado; grampos telefônicos do então senador baiano ACM; vazamento de informações privilegiadas durante o processos de privatização; venda de votos para aprovação da reeleição nos cargos do poder executivo, propinoduto, Kroll, Mensalão Mensalão Tucano, Mensalinho, Banco Santos, Cartões Corporativos, Daniel Dantas, Correios, Mensalão do DEM, dentre tantos outros.

Alguns políticos são reincidentes nos escândalos como é o caso do ex-governador do DF, José Roberto Arruda que chorou na tribuna do Senado pedindo desculpas por seu envolvimento no caso do painel eletrônico do Senado e anos após foi preso em razão do esquema de corrupção no Mensalão do DEM.

Além de tudo isto tem os inumeráveis casos de pedido de afastamento de vereadores, deputados estaduais e federais e senadores, de Norte a Sul do país, por quebra do decoro parlamentar. São pedidos que, quase sempre, nunca se concretizam, visto que a maioria renuncia aos respectivos cargos antes de perdê-los, para na legislatura seguinte estarem de volta. Em resumo, tudo nada mais é do que falta de ética profissional, para não mencionar os crimes cometidos, cujas apurações, via de regra, acabam em pizza.

Felizmente, tivemos a satisfação de assistir a um exemplo já não tão recente de comportamento ético na política. Trata-se da demissão a pedido do ex-ministro da Defesa, José Viegas, que por não compactuar com os interesses escusos que ainda persistiam, mesmo em plena vigência do Estado Democrático de Direito, na tentativa de manipular informações, ocultar arquivos e dados, etc, sempre no interesse da dita “segurança nacional”.

Que Ética é esta, onde os holofotes que proporcionam a “fama” a “celebridades instantâneas” com grande possibilidade de recompensas devem prevalecer. Que Ética é esta, onde o interesse pessoal se sobrepõe ao coletivo, onde o interesse privado se sobrepõe ao público, onde o interesse financeiro se sobrepõe ao bem comum, onde os fins justificam os meios.

Na verdade o comportamento ético é uma opção de vida. Não existe alguém meio ético. Ou você é ou você não é.

Juiz de Fora/MG, 2010.

José Ricardo NEVES

rickneves@hotmail.com

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