sábado, 1 de janeiro de 2011

PRESIDENTE DO SUPREMO OU SUPREMO PRESIDENTE?

PRESIDENTE DO SUPREMO OU SUPREMO PRESIDENTE?

Diante de situações inusitadas, as pessoas mais idosas costumam sempre dizer “e eu pensei que já tinha visto de tudo nesta vida!”. Tal frase retrata bem o momento histórico do Brasil na atualidade. Temos vivido um paradoxo. Por um lado, figuramos dentre os países considerados emergentes e uma das poucas nações no mundo que tem conseguido “aos trancos e barrancos” driblar a crise econômica. Por outro, assistimos quase que passivamente os desmandos e devaneios do chefe de nossa Corte Suprema, que no ápice de sua arrogância desestabiliza a normalidade jurídica interna, sob o pretexto de garantir o preceito constitucional de presunção de inocência dos cidadãos.

O cidadão mato-grossense Gilmar Ferreira Mendes, natural de Diamantino, tornou-se ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em 20/06/2002, o último indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e assumiu a presidência do órgão em 23/04/2008. Bacharel em direito pela Universidade de Brasília, com cursos de mestrado e doutorado, ingressou no Ministério Público Federal, onde permaneceu por apenas três anos. Grande parte de sua carreira exerceu no Executivo, tendo sido assessor técnico do Ministério da Justiça, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República e advogado-geral da União.

Na época da indicação do ministro Gilmar Mendes para o STF houve contestações de alguns juristas e jornalistas. Dalmo Dallari teria dito que “se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”.

Naquela ocasião, a imprensa criticou o fato de FHC divulgar a indicação de Gilmar Mendes, antes mesmo de formalizada a abertura de vaga no STF. A indicação foi divulgada na imprensa como sendo um sinal de que estaria sendo montada uma grande operação para anular o STF, tornando-o submisso ao chefe do Executivo.

O nome de Gilmar Mendes, segundo noticiado, estaria longe de preencher os requisitos necessários para alguém que pretendia ser membro da mais alta corte do país, já que ele além de ter sido um assessor muito próximo do ex-presidente Fernando Collor de Mello, e nunca ter se notabilizado pelo respeito ao direito, seria também especializado em “inventar” soluções jurídicas no interesse do governo.

O processo de escolha dos ministros do STF brasileiro é, sem dúvida, arcaico e precisa ser revisto. Embora seja uma função que dispõe de extraordinário poder, para ser ministro do STF basta ser selecionado por ato do Presidente da República e referendado pelo Senado. Pelo que se tem notícia, até hoje o Senado nunca reprovou um candidato. O processo fere a independência que deveria haver entre os três poderes e indubitavelmente torna o Judiciário parcial.

Antes de ingressar na Corte, Gilmar Mendes chegou a recomendar ao Poder Executivo que fossem desrespeitadas decisões judiciais, criticou o STF e agrediu juízes e tribunais, tendo afirmado que a Justiça brasileira era um "manicômio judiciário". Em razão disto, um artigo foi divulgado na edição 107, de dezembro de 2001, do periódico “Informe” do Tribunal Regional Federal da 1ª Região - TRF1, cujo título "Manicômio Judiciário" dado pelo autor, o então presidente do citado tribunal, teve como objetivo - dentre outras coisas - dizer que "não são decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo".

Agregado a todas essas questões, está o problema ético. De acordo com revista “Época”, de 22/04/02, Gilmar Mendes, na qualidade de advogado-geral da União, teria pago cursos para seus subordinados no Instituto Brasiliense de Direito Público, escola da qual ele mesmo seria um dos proprietários.

Na visão de Dalmo Dallari, em artigo publicado na Folha de S. Paulo, em 08/05/2002, “isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na "reputação ilibada", exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo”.

Já em matéria publicada na revista “Carta Capital”, de novembro de 2008, foi dito que “existe um lugar, nas entranhas do Centro-Oeste, onde a vetusta imagem do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, nada tem a ver com aquela que lhe é tão cara, de paladino dos valores republicanos, guardião do Estado de Direito, diligente defensor da democracia contra a permanente ameaça de um suposto – e providencial – “Estado policial”.”

A matéria afirma que Sua Excelência o ministro Gilmar Mendes teria capitaneado um poderoso lobby político que, com apoio do governador Blairo Maggi, possibilitou a instalação de um dos gigantes das áreas agroindustrial, de infra-estrutura e de energia, o Bertin, em Diamantino. Informa ainda que o irmão caçula do ministro, o veterinário Francisco Ferreira Mendes Júnior, mais conhecido por Chico Mendes, conseguiu manter-se por dois mandatos à frente da Prefeitura de Diamantino, graças à influência política do irmão famoso, que atuou ostensivamente para elegê-lo, nas campanhas de 2000 e 2004, levando ministros para inaugurar obras, lançar programas e pedir votos.

Outro fato grave denunciado pela “Carta Capital” é o homicídio ocorrido em 2000, e ainda não desvendado, da jovem estudante Andréa Paula Pedroso Wonsoski, que atuou politicamente na oposição em Diamantino, motivo pelo qual teria sido “repreendida” por Chico Mendes e ameaçada por seus cabos eleitorais. Andréa foi vista com vida pela última vez 32 dias depois deste fato, logo após ter participado de um protesto político contra o abuso de poder econômico nas eleições municipais.

Gilmar Mendes juntamente com Marco Antônio Tozzati, fundou a Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Diamantino (Uned). Tozzati é acusado de fazer parte de uma quadrilha de fraudadores que atuava dentro do Ministério dos Transportes, na gestão de Eliseu Padilha, ministro de FHC, também ligado a Gilmar Mendes.

Alguns ministros do Supremo fazem parte do corpo docente do mencionado Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), do qual o presidente do STF é um dos proprietários. Em nota divulgada por sua assessoria de imprensa, o ministro Gilmar Mendes justificou-se informando que não há nenhum impedimento legal neste fato, ressaltando que faz parte da cultura jurídica do país a prática de juízes lecionarem.

Na verdade, o impedimento seria “apenas” de cunho ético e moral, já que de fato a lei não proíbe tais práticas. A relação de subordinação funcional existente no IDP, indubitavelmente, se reflete no STF. Isto parece ter ficado claro quando os ministros assinaram uma nota de apoio ao presidente da Corte, em abril deste ano, após uma discussão entre ele e o ministro Joaquim Barbosa, durante uma sessão plenária.

Quanto à postura do ministro Joaquim Barbosa, não foi feito qualquer comentário na citada nota. Ao dizer que o presidente da Corte estava “destruindo a credibilidade da Justiça brasileira”, o ministro Joaquim Barbosa expressou o pensamento de muitos brasileiros.

Em junho de 2009, a revista “Carta Capital” novamente noticiou que os negócios do empresário Gilmar Mendes no IDP iam de vento em popa. De acordo com a reportagem, após assumir a presidência do STF, sua escola expandiu o número de contratos com órgãos públicos, sem licitação.

Não bastassem todos estes fatos, o ministro Gilmar Mendes se envolveu em episódio polêmico quando determinou, por duas vezes em menos de 48 horas, a soltura do banqueiro Daniel Dantas, preso pela Polícia Federal na operação Satiagraha, suspeito de liderar uma quadrilha envolvida com os crimes de evasão de divisas, gestão fraudulenta, concessão de empréstimos vedados e corrupção ativa. Só num dos processos a que responde, o citado banqueiro foi condenado a 10 anos de prisão em regime fechado.

O mais curioso é que, segundo divulgado na Internet, logo após a divulgação das primeiras informações sobre a Operação Satiagraha, o coronel da reserva do Exército Sérgio de Souza Cirillo foi nomeado para o cargo comissionado de assessor do secretário de segurança do STF, que supostamente seria ligado ao banqueiro Daniel Dantas. Cirillo é um dos sócios do Instituto Sagres e teria sido contratado para montar um Núcleo de Inteligência no STF. Dois meses depois de contratado, Cirilo foi demitido por não ter se adaptado ao emprego. Com ele, também foi demitido o coronel que o contratou.

Exatamente durante o período em que Cirillo esteve no STF, surgiram notícias sobre grampos nos telefones da Corte, através dos quais teria sido captada uma conversa entre o ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). A propósito, as varreduras realizadas no STF não identificaram a existência de nenhum grampo ou escutas ambientais.

No final de outubro, o jornalista Paulo Henrique Amorim informou que Guiomar Feitosa Mendes, mulher de Gilmar Mendes, aposentou-se do serviço público e será gestora da área jurídica do escritório de Sergio Bermudes, um dos advogados de Daniel Dantas.

Desde que assumiu a presidência da Corte, o ministro Gilmar Mendes vem atacando a Polícia Federal. Em entrevista à revista “Veja”, disse que “a Polícia Federal se transformou num braço de coação e tornou-se um poder político que passou a afrontar os outros poderes”.

Em várias outras entrevistas, o presidente do STF pregou a reação contra o que chama de “Estado policial paralelo”. Ele considera que hoje há um descontrole no aparato estatal. Ao se referir à operação Satiagraha, criticou o que classificou como “um quadro de espetacularização das prisões” por parte da Polícia Federal.

O jornalista Ricardo Noblat, em seu blog noticiou que o ministro Marco Aurélio Mello teria dito que o fato não pode motivar o esvaziamento de instituições como a Polícia Federal, ao referir-se ao episódio da Operação Satiagraha. "Prefiro mil vezes que a PF tenha uma atuação ostensiva do que aja com apatia", defendeu o ministro. "O grampo não surge por iniciativa da PF, precisa de autorização judiciária", lembrou.

O ministro Gilmar Mendes, em razão de sua postura em relação à atuação da Polícia Federal, passou a articular a aprovação de medidas que obstruíssem e aniquilassem o trabalho policial. Através do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que também preside, editou a resolução que criou o sistema de monitoramento das escutas telefônicas. Poucos meses após ter assumido a presidência do STF, foi também editada a súmula vinculante nº 11, que limitou o uso de algemas a casos excepcionais.

De acordo com o quer foi veiculado, em relação às escutas telefônicas, tudo teria sido arquitetado com objetivo de colocar juízes contra a polícia, visando bloquear as ações policiais, já que sem autorização judicial ninguém é monitorado.

Apesar de o ministro Gilmar Mendes ter declarado que a medida não visava afetar a independência do juiz nem inibir decisões favoráveis às escutas, o fato é que juízes de todo país têm sido extremamente rigorosos e exigentes na análise dos pedidos de quebra de sigilo. Muitas vezes exigem provas mais contundentes para deferir a medida. Vale lembrar que, se as provas colhidas já fossem robustas, não seria necessária a quebra de sigilo. A escuta visa exatamente a coleta de provas que possam servir para o convencimento do juiz.

Algumas vezes tem sido negado acesso dos órgãos policiais até mesmo aos dados cadastrais, informações estas que não ferem a privacidade e a intimidade de ninguém. Ao contrário, são informações disponibilizadas por empresas privadas aos seus clientes. Uma reportagem da “Folha” informou que parlamentares membros da CPI dos Grampos Telefônicos teriam comprovado que, em algumas grandes cidades brasileiras, são comercializados clandestinamente acessos até mesmo a extratos telefônicos, incluindo ligações efetuadas e recebidas, torpedos enviados e recebidos etc. O fato revela que, às vezes, só a polícia não pode ter acesso a informações sobre os cidadãos.

Quanto ao uso das algemas, este nunca teve como finalidade constranger quem quer que seja como apregoado, mas tão somente garantir a segurança do próprio preso, dos policiais e da sociedade, além de criar dificuldade a qualquer tentativa de fuga. Isso sem levar em conta que a reação humana diante de uma situação estressante como uma prisão é imprevisível.

O ministro Gilmar Mendes esqueceu-se de que a opinião pública do país aprova as ações da Polícia Federal através das grandes operações, que desde 2003 vem fazendo parte do cotidiano nacional, com as reportagens divulgadas pela mídia. A Associação dos Magistrados do Brasil comprovou isto mais de uma vez, ao difundir o resultado das pesquisas de opinião pública, que apontaram a Polícia Federal como uma das instituições nacionais mais confiáveis.

Isto se deu em razão de que nenhuma das grandes operações teve como alvo cidadãos pobres. O aplauso do público às ações que o ministro chama de “espetacularização” é em razão de ser exatamente os crimes de desvios de verbas, fraudes e corrupção envolvendo empresários, políticos e servidores públicos que impedem os investimentos do governo em serviços públicos essenciais, dos quais tanto a população precisa.

As investigações para combater os crimes do “colarinho branco” são uma resposta à indignação pública, que mudou e passou a exigir uma tomada de atitude por parte dos órgãos competentes. Aqueles que se consideravam intocáveis passaram a “sofrer” as conseqüências de seus atos ilegais. Como era de se esperar, integrantes da elite, agora “ameaçados”, insurgiram-se contra a Polícia Federal.

Passaram a denunciar como excessivas ações comuns e rotineiras como prender, algemar e ser transportado em camburão. Como se tais “prerrogativas” não pudessem ser estendidas aos criminosos “doutores”, pois só agora passaram a ferir o princípio constitucional da presunção de inocência.

Após a publicação de nota pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que criticou a prisão da empresária proprietária da loja Daslu, em 2005, Túlio Vianna escreveu um texto intitulado “A Criminalidade de Butique”, divulgado pelo site “Observatório da Imprensa”. Ele citou o ensaio escrito em 1940, por Edwin H. Sutherland, publicado nos EUA, sobre a criminalidade até então muito pouco discutida na criminologia: a criminalidade econômica, praticada por pessoas ocupantes de posições sociais de prestígio.

Vale reproduzir um trecho do artigo: “O que incomoda a maioria daqueles que levantaram suas vozes para defender os direitos da empresária não é propriamente o desrespeito aos direitos do acusado, mas a prisão de alguém de sua classe social. O que incomoda é saber que sonegação de impostos é crime e que, pelo desencadear dos fatos, muitos colegas podem acabar em situação semelhante. O que incomoda é a perda da imunidade penal de uma classe, representada simbolicamente por esta prisão. Enquanto a mídia se limitava a cobrir as ações policiais em favelas, reafirmando o estereótipo do pobre bandido, a Fiesp nunca se indignou com a pirotecnia das reportagens. Nenhuma linha foi publicada nos grandes jornais lembrando a todos que "todo suspeito, indiciado ou réu é inocente até o trânsito em julgado do processo". Bastou os colarinhos-brancos e as roupas de butique fazerem um breve desfile nas delegacias de polícia, para que novos paladinos dos direitos humanos pululassem pelo empresariado e pela mídia”.

Os ministros do STF já deviam ter compreendido que a sociedade mudou e não tolera mais o corporativismo e os interesses pessoais. Para realmente preservarem o Judiciário precisam utilizar seus “notórios saberes jurídicos” para punir aqueles que surrupiam os cofres públicos, direta ou indiretamente, que mantém abaixo da linha da pobreza milhões de cidadãos brasileiros.

Neste sentido, o argumento de preservação do Estado de Direito, da Democracia, do acesso à Justiça e da salvaguarda da Constituição Federal já não convence a ninguém. Na verdade, o que se percebe é a busca a todo custo da preservação da imagem de alguns poucos cidadãos privilegiados e até pouco tempo, de fato, “intocáveis”.

A reação de parcela da sociedade contra a postura do Judiciário ficou evidente no ato em que manifestantes acenderam 5 mil velas na Praça dos Três Poderes, em Brasília, em maio deste ano, para pedir o impeachment do presidente do STF, o que também chegou a ser cogitado pela Associação Nacional dos Procuradores da República.

A Polícia Federal não pode se intimidar. Deve seguir firme nesta cruzada, com o propósito de orquestrar a transformação almejada pela sociedade brasileira, escrevendo sua participação efetiva na história. Devem ser adotadas medidas legais capazes de efetivamente punir as ações criminosas, sem levar em conta a classe social dos infratores. Nenhum crime deve ser tolerado, mas aqueles cujos danos atingem toda a sociedade devem ter prioridade de repressão, ao invés de proteção dos detentores do poder estatal.

As muitas denúncias veiculadas através da rede mundial de computadores, livres da censura velada que é imposta aos meios de comunicação de massa, são suficientes para indicar - no mínimo - a quebra de decoro por parte do comandante maior do Poder Judiciário brasileiro. Em sendo assim, sua renúncia, senão seu impeachment mostra-se como o caminho mais acertado.

09/11/2009

* José Ricardo Neves, bacharel em Direito com pós-graduação em Execução de Políticas de Segurança Pública.

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