sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

ÉTICA: UMA QUESTÃO DE OPÇÃO

Segundo a norma culta da língua portuguesa, o vocábulo ”ética” não se enquadra no rol das palavras ambíguas, portanto, não possui mais de um sentido. Assim, torna-se inadmissível que sua definição seja interpretada de maneira diversa por cada indivíduo.

Aurélio Buarque de Holanda em seu Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª Edição, Editora Nova Fronteira, assim a define: “Estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto”. De acordo com a Enciclopédia Universal Gamma, vol. 4, trata-se da “Ciência dos costumes ou moral. Em sentido estrito, estuda as ações humanas e determina as leis a que tais ações devem se ajustar”.

Da análise dos conceitos apresentados depreende-se que a ética e a moral estão intimamente relacionadas. Um indivíduo de conduta amoral certamente será também antiético. A Ética, ainda que esteja condicionada a mutações no tempo, em função dos costumes, jamais deixou ou deixará de se expressar com base em regras de conduta dentro de um padrão politicamente correto, em cada momento histórico.

De acordo com professor Ruy de Azevedo Sodré no seu livro “A Ética Profissional e o Estatuto do Advogado”, 2ª Tiragem, LTR Editora, moral e ética têm a mesma raiz etimológica: costume (ciência de costumes), mas são diferentes. Moral é norma dirigida ao bem; é a ciência do bem. A sua infração resulta numa sanção, na maioria dos casos imposta pela nossa própria consciência, que se traduz no remorso. Em outros, a sanção decorre de uma repulsa social.

Ética vem do grego ethos, que significa costume e tem uma etimologia significativa idêntica ao radical latino “mos” – donde se origina a expressão moral. Ambas significam “costume ou hábito”. Tanto a moral como a ética se referem à “teoria dos costumes”. A Ética se divide em Deontologia – ciência dos deveres, e Diceologia – ciência dos direitos.

A Ética pressupõe uma reflexão sobre a moral. E isto porque, na verdade, vivemos e praticamos, dia a dia, continuamente, atos dentro da moral, indistinta e insensivelmente, porque estamos, por tradição e costume, presos a ela.

A Ética é ciência porque cria e consagra os princípios básicos que devem reger a conduta, os costumes, a moral dos homens. É arte porque se torna necessário observar tais princípios, praticá-los imperativamente, convertê-los na realidade da vida.

Ética profissional é o conjunto de princípios que regem a conduta funcional de determinada profissão. Consiste na persistente aspiração do profissional de amoldar sua conduta, sua vida, aos princípios básicos dos valores culturais de sua missão em todas as esferas de suas atividades.

Embora o termo ética seja empregado, comumente, como sinônimo de moral, a distinção se impõe. A primeira – moral propriamente dita – é a moral teórica, ao passo que a segunda seria a ética, ou moral prática. Ética é a parte da moral que trata da moralidade dos atos humanos. A Ética necessita da complementação do termo – profissional – porque ela se aplica a uma atividade particular da pessoa humana.

O primeiro código de ética profissional organizado na América do Sul foi o redigido por Francisco Morato em 1921, quando Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo.

Não há uma ética profissional alheia à ética não profissional – argumenta o jurista argentino Felix Augusto Castelhano – porque a mesma pessoa não pode ter regras diferentes para as diversas circunstâncias da sua vida. São necessariamente as mesmas para todas as manifestações da atividade humana e idênticos os conflitos. (Anais das “Primeras Jornadas Nacionales de la Ética de la Abogacia” – Rosário, Argentina, 1970, pág. 660)

Diante de tais conceitos e definições, nos vemos em conflito, pois em nosso cotidiano nos deparamos com situações que nos levam à seguinte reflexão: Será possível ou mesmo admissível que uma pessoa se comporte revelando uma conduta ética diferente para cada momento de sua vida, de acordo com suas conveniências? Certamente que isso é possível, porém, as mudanças sofridas pela ética em função das mutações consuetudinárias, não devem ocorrer de acordo com os interesses ou conveniências pessoais.

A título de exemplo, o “Código de Ética do Jornalista” preceitua que - por dever profissional e respeito ao direito coletivo de acesso à informação - o jornalista está obrigado a divulgar todos os fatos que sejam de interesse público.

O que pensar então de um repórter que presencia um ato criminoso de interesse nacional e se cala? De imediato, “sai de cena”, motivado por “forças ocultas” e retorna alguns anos mais tarde ocupando posição de destaque em determinada emissora de televisão. Os anos vão passando e certamente um dia, quando a prescrição do crime se consumar, virá a edição de um livro narrando a verdade real do fato histórico. Será ética tal conduta?

O que dizer também do cabo da reserva do Exército Brasileiro, José Alves Firmino, que entregou à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, fotos e documentos relativos ao covarde assassinato do jornalista Vladimir Herzog nos porões da ditadura. O livro Brasil Nunca Mais, Editora Vozes, coordenado pelo arcebispo emérito de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, é o melhor retrato das atrocidades cometidas durante o regime que se instalou no país sob o manto de uma dita “revolução”, que como é sabido nunca ocorreu de fato. O referido cabo serviu a um regime ditatorial, perverso, inescrupuloso e torturador e, ainda que não tenha agido diretamente, foi pelo menos omisso, por anos a fio, durante e após sua vigência. As denúncias só vieram à tona após duas décadas do fim da ditadura militar. Que motivos “sublimes” o teriam levado a revelar tanto tempo depois tudo aquilo que sabia? Teria ainda o Estado a possibilidade da persecução criminal neste caso ou o instituto da prescrição já garantiria a impunidade aos criminosos por ele denunciados?

Será que vivemos num “mar de lamas”? A falta de ética de nossos políticos chega a ser um afronta à capacidade de entendimento dos cidadãos. A lista de escândalos é quilométrica: anões do orçamento; painel eletrônico do Senado; impeachement do presidente Fernando Collor de Melo; caso PC Farias; caso Hidelbrando Paschoal; caso Banestado; grampos telefônicos do então senador baiano ACM; vazamento de informações privilegiadas durante o processos de privatização; venda de votos para aprovação da reeleição nos cargos do poder executivo, propinoduto, Kroll, Mensalão Mensalão Tucano, Mensalinho, Banco Santos, Cartões Corporativos, Daniel Dantas, Correios, Mensalão do DEM, dentre tantos outros.

Alguns políticos são reincidentes nos escândalos como é o caso do ex-governador do DF, José Roberto Arruda que chorou na tribuna do Senado pedindo desculpas por seu envolvimento no caso do painel eletrônico do Senado e anos após foi preso em razão do esquema de corrupção no Mensalão do DEM.

Além de tudo isto tem os inumeráveis casos de pedido de afastamento de vereadores, deputados estaduais e federais e senadores, de Norte a Sul do país, por quebra do decoro parlamentar. São pedidos que, quase sempre, nunca se concretizam, visto que a maioria renuncia aos respectivos cargos antes de perdê-los, para na legislatura seguinte estarem de volta. Em resumo, tudo nada mais é do que falta de ética profissional, para não mencionar os crimes cometidos, cujas apurações, via de regra, acabam em pizza.

Felizmente, tivemos a satisfação de assistir a um exemplo já não tão recente de comportamento ético na política. Trata-se da demissão a pedido do ex-ministro da Defesa, José Viegas, que por não compactuar com os interesses escusos que ainda persistiam, mesmo em plena vigência do Estado Democrático de Direito, na tentativa de manipular informações, ocultar arquivos e dados, etc, sempre no interesse da dita “segurança nacional”.

Que Ética é esta, onde os holofotes que proporcionam a “fama” a “celebridades instantâneas” com grande possibilidade de recompensas devem prevalecer. Que Ética é esta, onde o interesse pessoal se sobrepõe ao coletivo, onde o interesse privado se sobrepõe ao público, onde o interesse financeiro se sobrepõe ao bem comum, onde os fins justificam os meios.

Na verdade o comportamento ético é uma opção de vida. Não existe alguém meio ético. Ou você é ou você não é.

Juiz de Fora/MG, 2010.

José Ricardo NEVES

rickneves@hotmail.com

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Novos tempos

Depois de oito anos da era Lula, começamos um novo tempo. E como toda novidade, vem carregada de expectativas e de incertezas. Será que o novo governo conseguirá dar continuidade aos avanços brasileiros dos últimos anos.

Se por um lado, a Dilma pega o Brasil em uma situação bem mais favorável que o governo anterior, por outro terá de conviver com a sombra do antecessor, já que as comparações serão inevitáveis.

Particularmente, acredito que a nova presidente tem sim grande possibilidade de executar um bom mandato, acredito inclusive, que nas questões mais técnicas, a Dilma tem mais capacidade que o Lula, a grande dúvida está nas questões políticas, Dilma não possue nem de longe o carisma e a força do discurso do presidente "do povo".

Na minha avaliação, até agora ela vem conduzindo bem a transição e conseguiu se sair até melhor que o ex-presidente na montagem dos ministérios, pois ainda mantém o controle da situação. Se cercou com um núcleo forte e bem experiente politicamente e conseguiu a aliança com o gigantesco PMDB sem sofrer tanta pressão. Basta lembrar que para o Lula ser eleito, foi criada uma grande coalisão, mas na montagem do governo não sobrou espaço para todo mundo, o que causou um "racha" na base aliada nos primeiros anos, fortalecendo a oposição, que criou várias CPIs, culminando no escândalo do mensalão.

Vamos ver se a presidente Dilma terá o mesmo jogo de cintura para assuntos políticos que o antecessor. Ser presidente é um grande desafio, a oposição quando bate, bate forte. Haja visto que mesmo o mito de popularidade Lula, que hoje é quase uma unânimidade, teve que superar duras críticas e chegou-se inclusive a ser cogitado um impeachmnent do mesmo.

É acreditar no novo governo e desejar sorte ao país.

sábado, 1 de janeiro de 2011

PRESIDENTE DO SUPREMO OU SUPREMO PRESIDENTE?

PRESIDENTE DO SUPREMO OU SUPREMO PRESIDENTE?

Diante de situações inusitadas, as pessoas mais idosas costumam sempre dizer “e eu pensei que já tinha visto de tudo nesta vida!”. Tal frase retrata bem o momento histórico do Brasil na atualidade. Temos vivido um paradoxo. Por um lado, figuramos dentre os países considerados emergentes e uma das poucas nações no mundo que tem conseguido “aos trancos e barrancos” driblar a crise econômica. Por outro, assistimos quase que passivamente os desmandos e devaneios do chefe de nossa Corte Suprema, que no ápice de sua arrogância desestabiliza a normalidade jurídica interna, sob o pretexto de garantir o preceito constitucional de presunção de inocência dos cidadãos.

O cidadão mato-grossense Gilmar Ferreira Mendes, natural de Diamantino, tornou-se ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em 20/06/2002, o último indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e assumiu a presidência do órgão em 23/04/2008. Bacharel em direito pela Universidade de Brasília, com cursos de mestrado e doutorado, ingressou no Ministério Público Federal, onde permaneceu por apenas três anos. Grande parte de sua carreira exerceu no Executivo, tendo sido assessor técnico do Ministério da Justiça, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República e advogado-geral da União.

Na época da indicação do ministro Gilmar Mendes para o STF houve contestações de alguns juristas e jornalistas. Dalmo Dallari teria dito que “se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”.

Naquela ocasião, a imprensa criticou o fato de FHC divulgar a indicação de Gilmar Mendes, antes mesmo de formalizada a abertura de vaga no STF. A indicação foi divulgada na imprensa como sendo um sinal de que estaria sendo montada uma grande operação para anular o STF, tornando-o submisso ao chefe do Executivo.

O nome de Gilmar Mendes, segundo noticiado, estaria longe de preencher os requisitos necessários para alguém que pretendia ser membro da mais alta corte do país, já que ele além de ter sido um assessor muito próximo do ex-presidente Fernando Collor de Mello, e nunca ter se notabilizado pelo respeito ao direito, seria também especializado em “inventar” soluções jurídicas no interesse do governo.

O processo de escolha dos ministros do STF brasileiro é, sem dúvida, arcaico e precisa ser revisto. Embora seja uma função que dispõe de extraordinário poder, para ser ministro do STF basta ser selecionado por ato do Presidente da República e referendado pelo Senado. Pelo que se tem notícia, até hoje o Senado nunca reprovou um candidato. O processo fere a independência que deveria haver entre os três poderes e indubitavelmente torna o Judiciário parcial.

Antes de ingressar na Corte, Gilmar Mendes chegou a recomendar ao Poder Executivo que fossem desrespeitadas decisões judiciais, criticou o STF e agrediu juízes e tribunais, tendo afirmado que a Justiça brasileira era um "manicômio judiciário". Em razão disto, um artigo foi divulgado na edição 107, de dezembro de 2001, do periódico “Informe” do Tribunal Regional Federal da 1ª Região - TRF1, cujo título "Manicômio Judiciário" dado pelo autor, o então presidente do citado tribunal, teve como objetivo - dentre outras coisas - dizer que "não são decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo".

Agregado a todas essas questões, está o problema ético. De acordo com revista “Época”, de 22/04/02, Gilmar Mendes, na qualidade de advogado-geral da União, teria pago cursos para seus subordinados no Instituto Brasiliense de Direito Público, escola da qual ele mesmo seria um dos proprietários.

Na visão de Dalmo Dallari, em artigo publicado na Folha de S. Paulo, em 08/05/2002, “isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na "reputação ilibada", exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo”.

Já em matéria publicada na revista “Carta Capital”, de novembro de 2008, foi dito que “existe um lugar, nas entranhas do Centro-Oeste, onde a vetusta imagem do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, nada tem a ver com aquela que lhe é tão cara, de paladino dos valores republicanos, guardião do Estado de Direito, diligente defensor da democracia contra a permanente ameaça de um suposto – e providencial – “Estado policial”.”

A matéria afirma que Sua Excelência o ministro Gilmar Mendes teria capitaneado um poderoso lobby político que, com apoio do governador Blairo Maggi, possibilitou a instalação de um dos gigantes das áreas agroindustrial, de infra-estrutura e de energia, o Bertin, em Diamantino. Informa ainda que o irmão caçula do ministro, o veterinário Francisco Ferreira Mendes Júnior, mais conhecido por Chico Mendes, conseguiu manter-se por dois mandatos à frente da Prefeitura de Diamantino, graças à influência política do irmão famoso, que atuou ostensivamente para elegê-lo, nas campanhas de 2000 e 2004, levando ministros para inaugurar obras, lançar programas e pedir votos.

Outro fato grave denunciado pela “Carta Capital” é o homicídio ocorrido em 2000, e ainda não desvendado, da jovem estudante Andréa Paula Pedroso Wonsoski, que atuou politicamente na oposição em Diamantino, motivo pelo qual teria sido “repreendida” por Chico Mendes e ameaçada por seus cabos eleitorais. Andréa foi vista com vida pela última vez 32 dias depois deste fato, logo após ter participado de um protesto político contra o abuso de poder econômico nas eleições municipais.

Gilmar Mendes juntamente com Marco Antônio Tozzati, fundou a Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Diamantino (Uned). Tozzati é acusado de fazer parte de uma quadrilha de fraudadores que atuava dentro do Ministério dos Transportes, na gestão de Eliseu Padilha, ministro de FHC, também ligado a Gilmar Mendes.

Alguns ministros do Supremo fazem parte do corpo docente do mencionado Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), do qual o presidente do STF é um dos proprietários. Em nota divulgada por sua assessoria de imprensa, o ministro Gilmar Mendes justificou-se informando que não há nenhum impedimento legal neste fato, ressaltando que faz parte da cultura jurídica do país a prática de juízes lecionarem.

Na verdade, o impedimento seria “apenas” de cunho ético e moral, já que de fato a lei não proíbe tais práticas. A relação de subordinação funcional existente no IDP, indubitavelmente, se reflete no STF. Isto parece ter ficado claro quando os ministros assinaram uma nota de apoio ao presidente da Corte, em abril deste ano, após uma discussão entre ele e o ministro Joaquim Barbosa, durante uma sessão plenária.

Quanto à postura do ministro Joaquim Barbosa, não foi feito qualquer comentário na citada nota. Ao dizer que o presidente da Corte estava “destruindo a credibilidade da Justiça brasileira”, o ministro Joaquim Barbosa expressou o pensamento de muitos brasileiros.

Em junho de 2009, a revista “Carta Capital” novamente noticiou que os negócios do empresário Gilmar Mendes no IDP iam de vento em popa. De acordo com a reportagem, após assumir a presidência do STF, sua escola expandiu o número de contratos com órgãos públicos, sem licitação.

Não bastassem todos estes fatos, o ministro Gilmar Mendes se envolveu em episódio polêmico quando determinou, por duas vezes em menos de 48 horas, a soltura do banqueiro Daniel Dantas, preso pela Polícia Federal na operação Satiagraha, suspeito de liderar uma quadrilha envolvida com os crimes de evasão de divisas, gestão fraudulenta, concessão de empréstimos vedados e corrupção ativa. Só num dos processos a que responde, o citado banqueiro foi condenado a 10 anos de prisão em regime fechado.

O mais curioso é que, segundo divulgado na Internet, logo após a divulgação das primeiras informações sobre a Operação Satiagraha, o coronel da reserva do Exército Sérgio de Souza Cirillo foi nomeado para o cargo comissionado de assessor do secretário de segurança do STF, que supostamente seria ligado ao banqueiro Daniel Dantas. Cirillo é um dos sócios do Instituto Sagres e teria sido contratado para montar um Núcleo de Inteligência no STF. Dois meses depois de contratado, Cirilo foi demitido por não ter se adaptado ao emprego. Com ele, também foi demitido o coronel que o contratou.

Exatamente durante o período em que Cirillo esteve no STF, surgiram notícias sobre grampos nos telefones da Corte, através dos quais teria sido captada uma conversa entre o ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). A propósito, as varreduras realizadas no STF não identificaram a existência de nenhum grampo ou escutas ambientais.

No final de outubro, o jornalista Paulo Henrique Amorim informou que Guiomar Feitosa Mendes, mulher de Gilmar Mendes, aposentou-se do serviço público e será gestora da área jurídica do escritório de Sergio Bermudes, um dos advogados de Daniel Dantas.

Desde que assumiu a presidência da Corte, o ministro Gilmar Mendes vem atacando a Polícia Federal. Em entrevista à revista “Veja”, disse que “a Polícia Federal se transformou num braço de coação e tornou-se um poder político que passou a afrontar os outros poderes”.

Em várias outras entrevistas, o presidente do STF pregou a reação contra o que chama de “Estado policial paralelo”. Ele considera que hoje há um descontrole no aparato estatal. Ao se referir à operação Satiagraha, criticou o que classificou como “um quadro de espetacularização das prisões” por parte da Polícia Federal.

O jornalista Ricardo Noblat, em seu blog noticiou que o ministro Marco Aurélio Mello teria dito que o fato não pode motivar o esvaziamento de instituições como a Polícia Federal, ao referir-se ao episódio da Operação Satiagraha. "Prefiro mil vezes que a PF tenha uma atuação ostensiva do que aja com apatia", defendeu o ministro. "O grampo não surge por iniciativa da PF, precisa de autorização judiciária", lembrou.

O ministro Gilmar Mendes, em razão de sua postura em relação à atuação da Polícia Federal, passou a articular a aprovação de medidas que obstruíssem e aniquilassem o trabalho policial. Através do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que também preside, editou a resolução que criou o sistema de monitoramento das escutas telefônicas. Poucos meses após ter assumido a presidência do STF, foi também editada a súmula vinculante nº 11, que limitou o uso de algemas a casos excepcionais.

De acordo com o quer foi veiculado, em relação às escutas telefônicas, tudo teria sido arquitetado com objetivo de colocar juízes contra a polícia, visando bloquear as ações policiais, já que sem autorização judicial ninguém é monitorado.

Apesar de o ministro Gilmar Mendes ter declarado que a medida não visava afetar a independência do juiz nem inibir decisões favoráveis às escutas, o fato é que juízes de todo país têm sido extremamente rigorosos e exigentes na análise dos pedidos de quebra de sigilo. Muitas vezes exigem provas mais contundentes para deferir a medida. Vale lembrar que, se as provas colhidas já fossem robustas, não seria necessária a quebra de sigilo. A escuta visa exatamente a coleta de provas que possam servir para o convencimento do juiz.

Algumas vezes tem sido negado acesso dos órgãos policiais até mesmo aos dados cadastrais, informações estas que não ferem a privacidade e a intimidade de ninguém. Ao contrário, são informações disponibilizadas por empresas privadas aos seus clientes. Uma reportagem da “Folha” informou que parlamentares membros da CPI dos Grampos Telefônicos teriam comprovado que, em algumas grandes cidades brasileiras, são comercializados clandestinamente acessos até mesmo a extratos telefônicos, incluindo ligações efetuadas e recebidas, torpedos enviados e recebidos etc. O fato revela que, às vezes, só a polícia não pode ter acesso a informações sobre os cidadãos.

Quanto ao uso das algemas, este nunca teve como finalidade constranger quem quer que seja como apregoado, mas tão somente garantir a segurança do próprio preso, dos policiais e da sociedade, além de criar dificuldade a qualquer tentativa de fuga. Isso sem levar em conta que a reação humana diante de uma situação estressante como uma prisão é imprevisível.

O ministro Gilmar Mendes esqueceu-se de que a opinião pública do país aprova as ações da Polícia Federal através das grandes operações, que desde 2003 vem fazendo parte do cotidiano nacional, com as reportagens divulgadas pela mídia. A Associação dos Magistrados do Brasil comprovou isto mais de uma vez, ao difundir o resultado das pesquisas de opinião pública, que apontaram a Polícia Federal como uma das instituições nacionais mais confiáveis.

Isto se deu em razão de que nenhuma das grandes operações teve como alvo cidadãos pobres. O aplauso do público às ações que o ministro chama de “espetacularização” é em razão de ser exatamente os crimes de desvios de verbas, fraudes e corrupção envolvendo empresários, políticos e servidores públicos que impedem os investimentos do governo em serviços públicos essenciais, dos quais tanto a população precisa.

As investigações para combater os crimes do “colarinho branco” são uma resposta à indignação pública, que mudou e passou a exigir uma tomada de atitude por parte dos órgãos competentes. Aqueles que se consideravam intocáveis passaram a “sofrer” as conseqüências de seus atos ilegais. Como era de se esperar, integrantes da elite, agora “ameaçados”, insurgiram-se contra a Polícia Federal.

Passaram a denunciar como excessivas ações comuns e rotineiras como prender, algemar e ser transportado em camburão. Como se tais “prerrogativas” não pudessem ser estendidas aos criminosos “doutores”, pois só agora passaram a ferir o princípio constitucional da presunção de inocência.

Após a publicação de nota pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que criticou a prisão da empresária proprietária da loja Daslu, em 2005, Túlio Vianna escreveu um texto intitulado “A Criminalidade de Butique”, divulgado pelo site “Observatório da Imprensa”. Ele citou o ensaio escrito em 1940, por Edwin H. Sutherland, publicado nos EUA, sobre a criminalidade até então muito pouco discutida na criminologia: a criminalidade econômica, praticada por pessoas ocupantes de posições sociais de prestígio.

Vale reproduzir um trecho do artigo: “O que incomoda a maioria daqueles que levantaram suas vozes para defender os direitos da empresária não é propriamente o desrespeito aos direitos do acusado, mas a prisão de alguém de sua classe social. O que incomoda é saber que sonegação de impostos é crime e que, pelo desencadear dos fatos, muitos colegas podem acabar em situação semelhante. O que incomoda é a perda da imunidade penal de uma classe, representada simbolicamente por esta prisão. Enquanto a mídia se limitava a cobrir as ações policiais em favelas, reafirmando o estereótipo do pobre bandido, a Fiesp nunca se indignou com a pirotecnia das reportagens. Nenhuma linha foi publicada nos grandes jornais lembrando a todos que "todo suspeito, indiciado ou réu é inocente até o trânsito em julgado do processo". Bastou os colarinhos-brancos e as roupas de butique fazerem um breve desfile nas delegacias de polícia, para que novos paladinos dos direitos humanos pululassem pelo empresariado e pela mídia”.

Os ministros do STF já deviam ter compreendido que a sociedade mudou e não tolera mais o corporativismo e os interesses pessoais. Para realmente preservarem o Judiciário precisam utilizar seus “notórios saberes jurídicos” para punir aqueles que surrupiam os cofres públicos, direta ou indiretamente, que mantém abaixo da linha da pobreza milhões de cidadãos brasileiros.

Neste sentido, o argumento de preservação do Estado de Direito, da Democracia, do acesso à Justiça e da salvaguarda da Constituição Federal já não convence a ninguém. Na verdade, o que se percebe é a busca a todo custo da preservação da imagem de alguns poucos cidadãos privilegiados e até pouco tempo, de fato, “intocáveis”.

A reação de parcela da sociedade contra a postura do Judiciário ficou evidente no ato em que manifestantes acenderam 5 mil velas na Praça dos Três Poderes, em Brasília, em maio deste ano, para pedir o impeachment do presidente do STF, o que também chegou a ser cogitado pela Associação Nacional dos Procuradores da República.

A Polícia Federal não pode se intimidar. Deve seguir firme nesta cruzada, com o propósito de orquestrar a transformação almejada pela sociedade brasileira, escrevendo sua participação efetiva na história. Devem ser adotadas medidas legais capazes de efetivamente punir as ações criminosas, sem levar em conta a classe social dos infratores. Nenhum crime deve ser tolerado, mas aqueles cujos danos atingem toda a sociedade devem ter prioridade de repressão, ao invés de proteção dos detentores do poder estatal.

As muitas denúncias veiculadas através da rede mundial de computadores, livres da censura velada que é imposta aos meios de comunicação de massa, são suficientes para indicar - no mínimo - a quebra de decoro por parte do comandante maior do Poder Judiciário brasileiro. Em sendo assim, sua renúncia, senão seu impeachment mostra-se como o caminho mais acertado.

09/11/2009

* José Ricardo Neves, bacharel em Direito com pós-graduação em Execução de Políticas de Segurança Pública.